terça-feira, 10 de agosto de 2010


Cirurgia para a Diabetes


Nossa maior fonte de energia são os carboidratos da alimentação. Eles são transformados em glicose que são armazenados no fígado na forma química chamada glicogênio. Sob o efeito de um hormônio chamado Glucagom (produzido nas células Alfa do pâncreas) esse glicogênio transforma-se em glicose que é liberado para a corrente sanguínea. Um hormônio chamado insulina (produzido nas células Beta do pâncreas) encarrega-se de empurrar a glicose para dentro das células onde ela será utilizada para produzir energia para que a célula continue viva e desempenhando suas funções como produção de substancias, reprodução, etc. A glicose não consegue entrar na célula sem a colaboração da insulina. Algumas células podem eventualmente utilizar outras matérias primas para produzir energia como proteínas ou gorduras mas as células do tecido nervoso só conseguem usar a glicose como fonte de combustível e por isso se faltar insulina podemos ter danos irreversíveis nos nervos e no cérebro. Por isso a insulina é de importância vital. Não existe saúde sem insulina.

A falta de insulina é chamada Diabetes. Nesse caso o paciente tem glicose no sangue mas pela falta de insulina , a glicose não consegue entrar na célula e ocorrem dois fenômenos: excesso de glicose no sangue e falta de glicose na célula. Essa situação faz com que as células sofram por falta de energia e por isso precisam utilizar outros mecanismos para gerar energia causando assim vários efeitos colaterais no organismo.

Existem dois tipos de Diabetes:

A Diabetes Tipo 1 é caracterizada pela "total falência pancreática na produção de insulina". A causa dessa falência é auto-imune , ou seja o paciente produz anticorpos que destroem as células Beta (fabrica de insulina) do próprio pâncreas. Em outras palavras o paciente produz um anticorpo que ataca o próprio corpo. É um verdadeiro "gol contra".

Esses pacientes precisam tomar "insulina externa" para viverem. Não podemos contar com esse pâncreas para produzir insulina . Nenhuma cirurgia é capaz de fazer esse pâncreas voltar a funcionar. O diagnóstico dessa patologia é complexo e um bom parâmetro é o exame laboratorial chamado "Peptídeo C" que se menor que 1 sugere a Diabetes tipo 1.

Outro parâmetro laboratorial é dosagem de próinsulina baixa.

A Diabetes Tipo 2 é uma outra doença completamente diferente. Nesse caso o pâncreas funciona e produz insulina porem não consegue “dar conta do recado” nesse momento (Ex obesidade ou outras situações nas quais existe maior resistência periférica à insulina). Se o paciente emagrecer o pâncreas dará conta do recado e haverá, as vezes, a cura da diabetes tipo 2 desse paciente. São pacientes que laboratorialmente apresentam Peptídeo C maior que 1 e próinsulina normal. Nesses casos existe a possibilidade de estimularmos a produção pancreática de insulina ou ainda de tornar as células do corpo mais sensíveis a ação dessa insulina. A pergunta é quais são os fatores que podem melhorar a performance do pâncreas e a ação da insulina?

A gordura visceral (intra-abdominal) produz um hormônio chamado adiponectina que melhora a ação da insulina nas células do corpo , ou seja diminui a resistência periférica à insulina. Porem essa mesma gordura produz citoquinas inflamatórias que aumentam a resistência periférica à insulina. Ou seja, a gordura tem mecanismo de controle sobre a insulina podendo as vezes melhorar a sua ação e as vezes piorá-la. O problema é que o obeso produz pouca adiponectina e por isso a gordura visceral do obeso contribui para piorar a ação da insulina. Talvez essa característica do obeso contribua para a grande incidência de Diabetes tipo 2 na Obesidade.
(Obs: Quando o obeso emagrece ele volta a produzir adiponectina e talvez esse seja um dos motivos pelo qual emagrecer alivia a Diabetes tipo 2).

Outra descoberta fantástica
Outra descoberta fantástica é que a comida ao chegar no final do intestino delgado estimula esse intestino a produzir 2 tipos de hormônios:

Hormônios do fim da refeição (PYY - GLP1 - Oxintomodulina).
Eles agem no cérebro induzindo no hipotálamo a "Sensação de Saciedade" e assim a pessoa perde a vontade de comer. Alem disso, esses hormônios fazem o intestino contrair ao contrario levando a comida de marcha-ré de volta ao estomago causando náuseas e mal estar e assim forçando a pessoa a parar de comer. Este efeito é chamado "freio ileal", é o intestino freiando a "comilança".
O intestino está avisando o corpo para "Parar de comer".


Hormônios que avisam o pâncreas que foi feita uma grande refeição e que o nível de açúcar sanguíneo subirá em breve e que será necessário produzir insulina para passar essa glicose para dentro das células. Essa ação estimulatória à produção insulínica é chamada "efeito incretínico" e esses hormônios classificados como "Incretinas":

B1 - GLP1
Que estimula as células Beta do pâncreas a produzirem insulina
Tem efeito tão poderoso que inclusive reativa célula preguiçosa
Inibe célula Alfa produtora de Glucagom que aumenta glicemia
Produzido no íleo terminal e colon
Também é anorexigeno e faz freio ileal
Por isso melhora a Diabetes tipo 2
Não tem ação na Diabetes tipo 1 porque as células Beta faliram

B2 - GIP
Mesmo efeito que o GLP1
Produzido principalmente no duodeno e jejuno alto
Dessa forma percebe-se que quando a comida percorre todo o intestino e atinge a porção final do intestino delgado ocorre a liberação de hormônios que inibem a alimentação ou seja emagrecem por diminuição de ingesta, melhoram a produção de insulina pelo pâncreas e também melhoram a ação dessa insulina nas células do corpo. Trata-se de uma "dupla vantagem" para os pacientes diabéticos tipo 2. O problema é que a comida moderna não tem fibras e por isso é de rápida e fácil absorção no intestino delgado inicial e, assim, o resto do intestino não recebe nutrientes e por isso esses hormônios não são produzidos em quantidade suficiente para inibir a Diabetes tipo 2. Alem disso sabemos que obesos e diabéticos tipo 2 tem menor quantidade de GLP1 e PYY que magros não diabéticos. Esboça-se assim a noção que se conseguirmos "Nutrição ileal" (Hindgut Theory) teremos resposta hormonal do intestino (ação incretinica) e assim aliviar a Diabetes tipo 2.

Francesco Rubino, um pesquisador italiano, acredita que quando a comida passa pelo duodeno ocorre a produção de um hormônio cuja função é inibir o efeito das incretinas, ou seja inibir o estimulo intestinal a produção insulínica. Trata-se de uma "Anti-incretina" que foi chamada "Fator Rubino".
(Obs: Provavelmente esse hormônio visa contra balancear a ação incretinica intestinal no sentido de evitar hipoglicemias severas decorrentes de uma descarga exagerada e anômala de incretinas. Esse mecanismo é provavelmente desnecessário devido a hiperglicemia ser infinitamente mais frequente que a hipoglicemia nos tempos modernos).

De acordo com essa teoria seria interessante que a comida não passasse pelo duodeno, pois o duodeno nutrido secretaria hormônios que bloqueiam a ação das incretinas e com isso impediria a cura do Diabetes 2 pelos hormônios intestinais. O procedimento que visa impedir a comida de passar pelo duodeno é chamado "Exclusão Duodenal" (Foregut Theory).

Em 2007 não foi possível determinar qual dessas duas teorias é a de maior eficácia no tratamento da Diabetes tipo 2 (ou talvez sejam complementares?). Vários trabalhos nesse sentido estão em andamento.

Há 30 anos a cirurgia bariatrica mais realizada no mundo é o Bypass. Essa técnica faz a exclusão duodenal, ou seja a comida não passa por grande parte do estomago, nem pelo duodeno e nem pelo inicio do intestino delgado. O duodeno e o jejuno inicial tem uma enorme capacidade de absorver alimentos para o sangue (comparado a um mata-borrão) e quando fazemos sua exclusão nós indiretamente nutrimos o íleo pois os alimentos ao invez de serem absorvidos, continuarão no intestino e serão conduzidos até o intestino distal desencadeando a produção das incretinas. Logo o Bypass exclue o duodeno e nutre o íleo ao mesmo tempo. Consequentemente o Bypass aumenta muito a produção de incretinas e bloqueia completamente a produção de anti-incretinas. Por isso a Diabetes 2 tem grande melhora, e as vezes cura, poucos dias após o Bypass.

Há 30 anos percebeu-se que ao realizar Bypass em obesos mórbidos com diabetes tipo 2 ocorria rapidamente melhora da diabetes tipo 2 mesmo antes da perda de peso. Na teoria a cirurgia bariatrica melhoraria a diabetes tipo 2 porque o paciente emagreceu, mas na pratica essa melhora, e as vezes até a cura, já ocorria logo após a cirurgia independentemente da perda de peso. A partir dessa observação cientistas descobriram as incretinas e as antiincretinas e assim a Cirurgia Bariatrica que visava tratar a obesidade ganhou cunho endocrinológico e hoje a tratamos como "Cirurgia Bariatrica e Metabólica".

Em 2007 contabilizam-se 220 milhões de Diabéticos tipo 2 no mundo (alem de outros 350 milhões de portadores de Síndrome Metabólica "doença prima-irmã e precursora da Diabetes tipo 2" vide o Fórum desse site).

As estatisticas mundiais apontam para o fato que só 40% dos pacientes com Diabetes tipo 2 levam o tratamento clinico a sério. Mostram que 50% dos Diabéticos tipo 2 tem IMC entre 30 e 35 Kg/m2 e que 20% dos diabéticos tipo 2 são magros.

A Diabetes acarreta danos nas artérias e com isso diminue o aporte de sangue arterial a todas as células do corpo e por isso causa hipóxia celular (má oxigenação) e conforme aforisma milenar "O homem tem a idade de suas artérias". Além disso a entrada de glicose nas células é dificultada e assim ocorre mal funcionamento celular por falta de energia. E ainda por cima a diabetes causa a produção de toxinas como o sorbitol que causa danos gerais. Esse acumulo de conseqüências acarreta "danos cardiovasculares" e esses danos acabam por diminuir a qualidade e quantidade de vida do diabético. Existe um exame de sangue que indica qual o grau de acometimento cardiovascular do diabético chamado "Hemoglobina Glicada". Se acima de 7 é preocupante. Níveis acima de 7,5 indicam risco cardiovascular gravíssimo. Esses danos cardiovasculares são irreversíveis e freqüentemente são causa da mortalidade (infartes, derrames cerebrais, etc), por isso o tratamento da diabetes "tem pressa".

A grande pergunta é "Quando indicar o tratamento cirúrgico para a Diabetes tipo 2?". A resposta está sendo elaborada e só o tempo, talvez alguns anos, a trará. O fato é que sabemos que o Bypass Gástrico pode ajudar esse paciente. Também sabemos que a diabetes lesa o sistema cardiovascular de forma irreversível e que precisamos "fazer algo logo" antes que seja tarde demais. A melhor resposta que temos em 2007 é que o tratamento da diabetes é clinico, mas em alguns casos muito selecionados indicamos a cirurgia (Bypass Gástrico).

Os critérios incluem:
Ser Diabetes tipo 2 caracterizada por Peptídeo C maior que 1 Pró-insulina normal
Insucesso do tratamento clinico por 3 a 5 anos com elevação da Hg Glicada
Hemoglobina Glicada maior que 7,5 (mesmo sob tratamento clinico adequado)
Indícios clínicos de lesão vascular sistêmica
Presença de Síndrome Metabólica
Peso ???. Essa é a grande dúvida
O Bypass Gástrico há 30 anos alivia e geralmente cura a Diabetes tipo 2 em pacientes obesos com IMC > 35. Isso é um fato indiscutível em qualquer idade, sexo, país ou condição social. Também sabemos que esse beneficio é muito duradouro. Sabemos que uma parte desse beneficio é devido as incretinas e outra parte é devida ao emagrecimento Será que a ação das incretinas seja a responsável pela cura da Dibetes tipo 2 nos primeiros meses após a cirurgia e depois desse período o emagrecimento passa a ser o grande agente de cura? Não temos essas respostas porque o Bypass nunca foi feito em Diabéticos tipo 2 magros.

O endocrinologista americano Cristopher Sorli acha que o peso não é importante para indicar cirurgia para o diabético tipo 2 . A decisão é individualizada caso a caso.

O endocrinologista americano Lee Kaplan indica cirurgia nos diabéticos tipo 2 quando o tratamento clinico não é eficaz após 3 a 5 anos com elevação de Hg glicada.
Ele acha que alguns diabéticos tipo 2 não respondem bem a medicação. A decisão é individualizada caso a caso.

O endocrinologista americano Eric de Maria acha que seria ótimo se pudéssemos prever quais pacientes "responderão mal no futuro" para podermos operá-los o quanto antes para evitar seqüelas cardiovasculares irreversíveis, mas infelizmente no momento essa previsão não é possível.

A presença de Síndrome Metabólica no diabético tipo 2 talvez seja um sinal de alerta a possíveis candidatos ao Bypass: IMC acima de 28 Kg/m2, circunferência abdominal acima de 110 cm, pressão arterial diastólica acima de 8,5 , aumento de triglicérides (principalmente em jovens) e hemoglobina glicada acima de 7.

Alguns trabalhos demonstram que pacientes que desenvolveram diabetes tipo 2 após tornarem-se obesos tem evolução clinica menos grave que os diabéticos tipo 2 magros. Ou seja o diabético tipo 2 magro pode ter doença mais grave que o obeso (?). Talvez seja uma porta para um caminho que leve a cirurgia do diabético tipo 2 magro no futuro.

De qualquer forma devemos operar os diabéticos tipo 2 obesos e aguardar o resultado das novas pesquisas para indicar o tratamento cirúrgico para diabeticos tipo 2 não obesos.

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